sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Luís da Câmara Cascudo

Tenho a impressão de ser o que chamam na Itália, Uomo qualunque, um homem igual aos outros. Toda a minha vida se resume naqueles dois versos de Afrânio Peixoto: Ensinou e escreveu, nada mais aconteceu. Sou de famílias tradicionais do Norte de Portugal e da ilha de São Miguel do Açores, vindas para o Rio Grande do Norte no começo do século XVIII. Não tiveram grande notoriedade, nem nota de desabono. Foram proprietários, fazendeiros, pequenos industriais, membros do Partido Conservador, por isso é que eu sou Cascudo, não o escaravelho, nem o peixe, o precostomus loricariae, mas, simplesmente, porque meu avô paterno era um dos chefes do Partido Conservador, e o Partido Conservador que chamavam Saquarema, também tinha um apelido de Partido Cascudo, quer dizer, teimoso, obstinado, e deram para chamar o meu avô de “o velho Cascudo”. Como eu sou filho único, para não desaparecer o título, comecei a usar também, porque meu pai foi o único a usar. Assim, não há família Cascudo, é um apelido que se tornou patronímico. Fui uma criança profissionalmente enfermiça: pálida, doente, com pulmões suspeitos. Assim, não tenho recordações de infância, nunca corri, nunca subi uma árvore, nunca brinquei livremente, passava a vida sentado vendo figuras e os jogos parados. Não tive companheiros de infância, decorrentemente, para meu destino, já a minha meninice, a minha infância, foi uma infância de livros, de ver figura e ver a paisagem que se transformou numa paisagem humana, e aí começa o mistério da vocação. Sempre amei as histórias contadas pelas amas e pelos espetáculos populares: a feira, o mercado, as procissões. Sempre amei o cotidiano e não o excepcional, e decorrentemente, os meus livros vêm dessa paixão pelo normal e pelo cotidiano.

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